segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ORAGO: SÃO PAULO (25 Janeiro)


3 comentários:

  1. Reina gran confusão no estaminé:
    Bufa o gato, espartiça-se o copo, tropeça a padeirinha.
    Pois é, qualquer dia parte um pé!
    -
    O crava Rogélio, desvivendo cintilações a ido milénio
    do pasmo, em anti-diplomáticas abordagens,
    a mim consegue palmar-me um por semana.
    Vai contando com o desvelado aconselhamento anímico
    de gentis, humaníssimas psicólogas: O fi de puta!
    A intempestiva hora entra no Caffè.
    Ante o primeiro cliente especa, e, boçal, dispara:
    ‘Posso pedir-le um cigarrinho?’
    -
    Selectas bocas ouvem
    até descortinarem a última anedota.
    Tarde e a más horas entram a estúdio os porreiros artistas.
    Após triviais palmadinhas em costas camaradas,
    ao maestro a mandam.
    -
    Aquela cientista inglesa viveu, anos 60, no Quénia,
    rodeada por tigres, chitas, leões, árduos felinos.
    Um leopardo rebelde, a quem intimamente temia,
    embora desde sempre predilecto, deglutiu-a.
    -
    Após imprevista chuva,
    gorjeios, luz nua, cheiro a algas, maresia.
    -
    Sussurram
    ventanias
    uivo inóspito;
    reverdece linguagens
    farta relva.
    -
    ‘A ignorância humana dá ideia do Infinito…’
    Puxou o autoclismo?
    Não ouviu, por acaso?
    Aquele autoclismo deve andar mesmo silencioso.
    Praza a Deus que esqueça,
    suspenso p’lo madrugar aclarado.
    -
    Domingo passado,
    surpreendemos o Conservador Municipal,
    abancado mais sua senhora, na esplanada
    duma geladaria da baixa, devorando, em vítrea taça,
    a colheradas, envergonhado gelado.
    -
    O Silva contador não suporta vozearia.
    A tarde toda passou nas demoradas leituras
    das contas EDP.
    O rock, a nicotina, a cafeína, com garotas
    noutra curte.
    -
    Impertinente saudade:
    És tu a garota de Ipanema,
    que vens bamboleando-te
    azougada
    p’lo Vieux Port?
    Oh, esta saudade, o vago, e o distante,
    sonhando música nos teus passos,
    enredosa fantasia.
    Longe a orla dourada
    pátria claridade.
    -
    Canto à Empresa Carlos Costa
    a obra vai pra uma década começada,
    porque a acompanhei com vida,
    dia após dia subindo ante a janela
    aberta ao sonho do meu nada.
    Ao raiar a clara madrugada,
    o operário arremete a Ernesto o tasco.
    Pão quotidiano, vulgo carcaças, se demanda.
    Café é elemento comum amanhecido.
    A qualquer hora que fosse,
    que me fumasse pensativo,
    debruçando-me sobre o alpendre perto,
    pacíficos agentes nua evidência alevantavam.
    À força de pás os lixos removidos,
    guindaste a topo alçando torpe matéria,
    descidas e subidas ensaiando, terraço, escadaria,
    sótão, revestimento, azulejos, andaimes,
    infindos afãs que vislumbrei.
    Falou Leandro que um ano ao prédio falta.
    O andar-modelo propõe que sonde esplendoroso.
    Erguida a céus a torre bloco do melhor sol rouba,
    que em Acapulco alguém devera me repor,
    pra atenuar exílios, em que há tempos ando,
    nuns versos soterrado.

    ResponderEliminar
  2. Jamais acabaremos de explicitar o claro dia.
    O pai divorciara-se, e vivia em Faro.
    Ele seguia por toda a parte a João Paulo II.
    Incompatibilizara-se com um tio seu,
    com quem frequentemente se cruzava.
    Como retomar diálogo?
    Não que se ralasse, sentia-se abalado.
    Não só as catedrais encantam o esparzido mirar,
    também o que em nós vive e não se diz.
    -
    Quanto começou com Feuerbach:
    Revolvido o livro, assinalou-se dúbia passagem.
    Os filhos da terra arrebatavam a eterna escritura.
    Chegara o tempo, cada gesto era inaugural.
    Submersa continuou a subterrânea oração.
    Houvera em campo aberto peleja desigual.
    E o humano Cristo se deu ao terrestre sentido.
    -
    Fomos ver aquele lugar de destino,
    maior do que a princípio parecera.
    Trama ter que mudar
    mais coisas do que contávamos.
    Até os filtros do fumo sobrecarregam bagagem.
    Mais a metálica alvura do PC.
    Quando remexemos haveres,
    ficamos com a impressão de que uns quantos faltam,
    até porque não damos fé deles com a banal sequência.
    -
    ‘Projecto de sucessão…’
    Continuar de pé até que pombas dos meus olhos voem.
    Continuar dormindo até se regelarem os dedos.
    Continuar rezando até que o tempo finde.
    Continuar esperando que o café feche.
    Continuar despido até que o colchão navegue.
    Continuar escrevendo até que o papel acabe.
    Continuar apaixonado até que o mundo acorde.
    Continuar sonhando até que morto durma.
    Continuar delirando até se incendiarem órbitas.
    Continuar ladainhas até que o cérebro estale.
    Continuar a acompanhar o derrube dos tiranos.
    Continuar iluminado até que a maluqueira pare.
    Continuar chorando por um miosótis encarnado.
    Continuar a ateimar no trevo das quatro folhas.
    Continuar a seguir a rota da estrela cadente.
    Continuar a guardar no coração cintilações natalícias.
    Continuar a procurar um piolho estrelinha
    na cabeça rachada do Menino Jesus.
    Continuar a arriscar vermelho branco.
    Continuar sangrando até se esgotar a água.
    Continuar boiando até que o sangue estanque.
    Continuar a coçar minha jubilosa ferida.
    Continuar a prolongar o gélido chuveiro.
    Continuar a adorar a mulher artimanha.
    Continuar a andar sobre escombros lua.
    Continuar sentado até os pés da cadeira enraizarem.
    Continuar a dar corda a relógios que ninguém olha.
    Continuar auscultando especial música.
    Continuar a elucubrar invariáveis linguagens.
    Continuar a cantarolar o milagre da vida.
    Isto e muito mais até que o paizinho evapore.
    Isto e muito mais até que a paz floresça.

    ResponderEliminar
  3. Companheiro,
    come pão
    com tua mão.
    Teu pão
    é pão de irmão.
    Come pão,
    parte pão,
    parte, reparte
    com teu irmão.
    Que pão
    é pão de irmão:
    Pão
    é pão igual
    para ti
    e para irmão.
    -
    Antemanhã:
    Pousa um bufo-real a meio metro de mim,
    fita-me dum pranto fundo,
    familiar há milénios luz pelas cercanias,
    olha-me, e ameaça;
    abertas a ele as portas do meu coração,
    voa de dentro de meu peito forte
    para a liberdade farpada do arame que nos fere;
    nítido ainda o registo em foto flash,
    a devorar-me os olhos morte
    na noite prolongada.
    -
    Não se julgue que não é cão,
    porque cão mesmo é,
    ao nível do chão,
    captado por seu Ochoa dono,
    com zoom máximo e flash Sony,
    ao nível mesmo mais são do pobre chão.
    «Sai depressa cão deste poema…»
    Mas cão não é nem nunca será macacão.
    -
    Simples palavras digam certas tal-qualmente
    coisas a estudar sempre aí ante a tua livre mente.
    Outras sonhadas palavras digam
    com rigor fulgente.
    -
    Um dia
    um saltimbanco
    assaltou banco.
    Sobe a um banco, e grita:
    Isto é um assalto!
    Chega GNR,
    prende saltimbanco.
    Nunca mais saltimbanco
    assaltou banco
    -
    Prego no chão.
    Pede rapagão.
    No chão?
    Inquire garçon.
    Para meu cão.
    Insiste rapagão.
    (Com palavrão se entretém solidão de cão.)

    ResponderEliminar